25 de fevereiro de 2009

Capital

Sinto uma vontade quase que incontrolável de chorar quando preciso ir ao banco, evito ao máximo esse momento, se não há escapatória, lá vou eu, chego na frente do antro do capitalismo e mentalmente faço o sinal da cruz.
Tento passar pela porta giratória em vão , ela me acusa sem misericórdia, deixo minha suposta arma na caixinha e volto a entrar na engrenagem que pode me engolir.
Finalmente dentro do recinto, sinto frio. Meus pés gelam e a coriza toma conta do meu ser, porque não há no mundo lugar mais gelado, que gela o coração dos funcionários.
Depois de muito tempo na fila, evitando qualquer tentativa de amizade chego ao guichê e lá encontro alguém muito mais estressado que eu, mas tento compreender que o ambiente o corrompeu.
- A identidade, por favor.
- Esqueci.

16 de fevereiro de 2009

Renew

Vai chegar um dia em que eu não irei folhear super depressa as páginas de produtos antienvelhecimento da AVON, vou olhar calmamente e comparar os preços.
Quando esse dia chegar quem sabe eu estarei casada com o sujeito que vi na internet, ele imita cem personalidades em um minuto. Imita com perfeição os personagens de desenhos animados.
Já imagino a vida perfeita que terei casada com ele. Todos os dias ele me acordará com a voz do Pernalonga, vai entreter as crianças imitando o Barney, na hora do almoço escutarei: "Atention, tá na horra de matarr a fomê, tá na mêss pessoaaal". Ele me ligará do trabalho com a voz do Mr. Burns e a noite eu pegarei meu catálogo da AVON e escolherei com calma meus produtos, ele ficará do meu lado imitando o Scooby Doo.
Obviamente ele nunca entenderá como é difícil ter que aceitar o envelhecimento e continuará imitando o Scooby Doo.
Ai como ele me irrita. Onde eu estava com a cabeça quando me casei com ele?

9 de fevereiro de 2009

I-VO-VIU-A-U-VA

Era o primeiro dia na pré-escola, minha mãe estava preparada para ouvir meus berros desenfreados.
- Filha, a mãe volta para te buscar ao meio dia tá?
- Tá.
Ela me deu um beijo, soltou minhas mãozinhas e foi. Deu dois passos, olhou para trás e eu estava sorrindo, mais dois passos e eu já tinha me juntado à galera. Aquilo doeu um pouco no coração dela, ela esperava ao menos uma lágrima.
Se hoje ela me deixasse na pré-escola eu choraria. Para provar que sim, tenho sentimentos e porque eu sei que lá eu seria zombada quando aquelas criaturas pequenas descobrissem que a coordenação motora é nula em minhas pinturas a lápis de cor e nas palmas usadas até mesmo para marcar sílabas.
- Filha, você ficou com saudade?
- Olha mãe, desenhei você, o pai e eu...e uma nuvem. Acho que é uma nuvem.

2 de fevereiro de 2009

Presidência póstuma

Estava eu, pensando apenas em encontrar um dublê para me substituir na cozinha enquanto eu aqui existir, era minha única preocupação do dia. Até que chego em meu trabalho, posiciono o microfone, limpo a garganta e leio a notícia: "Sarney é eleito presidente do Senado". Ao perceber o grande equívoco do Diretor, paro a gravação, vou até ele e afirmo, com a tranquilidade de quem sabe o que fala, que o Sarney morreu.
É claro que ele morreu, eu me lembro, não com exatidão, mas me lembro de ouvir o Plantão da Globo anunciando a perda de um grande nome da política.
O Diretor, educadamente, provou-me o contrário do que eu afirmava. Sim, eu vi sites credíveis destacando a mesma notícia, mas não adianta, eu sei que ele morreu. É ridículo pensar assim, mas acho que existe um acordo em que todos afirmam que ele está vivo para que eu passe por louca.
Eu também vou fazer todos acreditarem que sei cozinhar.